17 de junho de 2013

As remoções de favelas no Rio são em áreas de risco ou em áreas próximas de ricos?

Foto: Luiz Baltar - Ensaio fotográfico "Tem Morador", realizado no Morro da Providência. O ensaio fotógrafo foi realizado por fotógrafos formados na Escola de Fotógrafos Populares.  "Tem Morador" é um projeto coletivo de documentação, que tem como objetivo registrar as lutas de resistência e o cotidiano das comunidades ameaçadas de remoção.
__________________________________________________________________



Opinião


O Cotidiano: Na atualidade na cidade do Rio de Janeiro temos um quadro dramático       em relação às remoções de moradores de favelas. Temos notícias de remoções em varias regiões da cidade: Providência, Vila Autódromo, Pavão-Pavãozinho, Manguinhos e Santa Marta. O que você acha a respeito deste assunto?


Gizele Martins*

São mais de 100 favelas na lista das remoções em todo o Rio de Janeiro. Esta tal lista saiu na mesma semana em que o Rio foi escolhido como sede dos Megaeventos para 2014 e 2016. A lista foi feita e divulgada pela Secretaria Municipal de Habitação do Rio. O objetivo era que elas fossem todas removidas até o final de 2012. Muitas delas já até passaram pelo triste e brutal processo de remoção, famílias e mais famílias perderam suas casas, muitas delas foram removidas para bairros bem longe de onde moravam, outros estão espelhados morando em casas de familiares.


A maioria destas favelas que entraram na lista das remoções, foram parar na lista com a desculpa de que elas estariam em áreas de risco de deslizamento ou inundação, de proteção ambiental ou destinados a logradouros públicos. Numa entrevista que fiz em maio de 2010 com Guilherme Marques do IPPUR/UFRJ e que estuda os problemas habitacionais da cidade, este conceito de que as favelas crescem em locais de risco sempre existiu e é apenas uma desculpa para afastar os pobres das áreas de ricos.


"Existe um conceito de “área de risco” que as pessoas reproduzem, mas que não aprofundam. O risco que os trabalhadores correm não é o risco apenas do local onde eles moram. Os trabalhadores correm riscos todos os dias. E se há risco, é preciso diminuí-lo e não remover os trabalhadores. O Rio de Janeiro todo vive nessa situação de risco. Na estrada que leva ao Cristo Redentor teve 26 deslizamentos em 2010. Ninguém falou em remover o Cristo e as casas em volta dele. A Praça da Bandeira alaga há anos e ninguém vai remover o comércio de lá. Pelo contrário, vai ter melhorias no local".


Ou seja, quando se fala em remoção, você não está falando em riscos, e sim em ricos. O problema são os ricos que moram perto dessas áreas que pretendem ter algum tipo de valorização sobre o local. O objetivo é afastar os pobres de perto deles, e essa é a política do governo também. Isto é confirmado quando a gente analisa a lista e percebe que muitas das favelas que entraram nela estão em locais de grande interesse imobiliários, assim como a favela da Vila Autódromo, localizada na Zona Oeste do Rio.


De acordo com a Prefeitura mais 3.630 imóveis na região de Jacarepaguá, Madureira, Vicente de Carvalho e Brás de Pina vão sair dali para dar lugar a construção da Transcarioca, via exclusiva que ligará a Barra da Tijuca à Penha. Há ainda a Transolímpica e a Transoeste, outras vias expressas que preparam a cidade para a Copa e para as Olimpíadas.


Mas não é só este tipo de remoção que está ocorrendo em toda a cidade do Rio. Nas favelas que hoje estão dominadas pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), por exemplo, existe uma remoção disfarçadas, uma remoção que nunca será reconhecida oficialmente pelo Estado. Quando chega a UPP nestas favelas, a ideia de cidadania também chega, como se nós moradores de favelas não fossemos mesmo considerados cidadãos. Mas o que o Estado chama de cidadania é apenas a legalização da luz, dos impostos, colocando bancos, investindo mais em Ongs, além de uma absurda valorização do comércio não local.


Com isto, há o encarecimento do local, do terreno, da comida, da luz, já que os moradores mesmo sem o direito à habitação de qualidade são obrigados a pagarem mais impostos, a pagarem uma conta de luz altíssima, por exemplo. E estes moradores que na maioria das vezes não ganham nem um salário mínimo por mês, por falta de emprego, de educação pública de qualidade e diversos outros direitos básicos, são obrigados a encarecerem também o comércio local, não conseguem mais pagar o aluguel ou manter a casa, com isto, acabam tendo que sair do seu antigo lugar de moradia e procurar outras favelas e bairros mais distantes da região Central e da Zona Sul do Rio para morar.


Ou seja, é um tipo de remoção não declarada vindo de um falso discurso de segurança pública. Estas duas formas de remoção que ocorrem hoje na Cidade Maravilhosa, não é por acaso, no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro existe uma marca forte no que diz respeito à falta de moradia. O Rio sempre foi marcado por grandes remoções forçadas, por ocupações e favelas que pegam fogo sem nenhuma explicação. Desta vez, os moradores destas mais de 100 favelas que estão na lista das remoções e algumas que já sofreram este brutal processo, já sabem que estes tais "acontecimentos" não são por acaso, e existem interesses do Estado e das grandes empresas em suas áreas de moradia.


Com todo esse  novo histórico de remoções que estão ocorrendo há um pouco mais de três anos no Rio, um movimento contra a remoção forçada feito por moradores e defensores de direitos humanos foi reacendido. Além disso, moradores das áreas com UPP também entraram nesta luta contra estas mais variadas formas de remoções. Para terminar, Guilherme Marques afirma que é preciso respeitar as relações pessoais e familiares que existem nestas favelas, já que o laço de confiança entre vizinhos, sem contar na questão cultural é e sempre foi muito grande.


"Se a remoção é forçada, significa que não é para melhoria da população. O governo deve dar como alternativa outros lugares melhores para se morar, condições melhores para se viver, e aí sim as pessoas podem escolher se mudar. Se a remoção é forçada, é porque está errada, e aí se deve combatê-la. Nos lugares em que os laudos comprovaram que há risco, o primeiro passo não é a remoção, e sim fazer contenção, saneamento, drenagem, limpeza do lixo. Não se pode propor que as pessoas se mudem para longe de onde elas vivem. Os mais pobres não têm condições de pagar babás para cuidar de suas crianças, creches e passagens de ônibus etc. Estes moradores dependem de uma rede de amigos e de familiares que ele construiu ao longo da vida naquele local para sobreviver. Eles devem ser remanejados para locais próximos de onde moravam", conclui Guilherme. O que significa que não existem desculpas a não ser os interesses imobiliários e comerciais, ou para dar lugar às obras dos Megaeventos.

*Gizele Martins é jornalista e coordenadora do Jornal o Cidadão.




2 comentários:

Muito Bom o texto, o que nos coloca em pauta num processo de discussão sobre o futuro da cidade do rio e mais do que isso, abrindo uma agenda de discussão entre as favelas não removidas e as já removidas. Precisamos agir nesse processo de discussão e quem sabe fazermos um foro dos não e removidos, tirar daí pautas a forçarem os governantes a frear essas remoções.

Olá, o documentário Funk Móvel, enfim, ficou pronto!
Assistam lá e compartilhem com os amigos:
http://www.youtube.com/watch?v=CGizxhF26vA
Esperamos que gostem!